domingo, 8 de março de 2009

Limpeza dos ouvidos

Durante o carnaval meus ouvidos começaram a se fechar. Inicialmente pensei que poderia ser uma reação psicológica, um mecanismo de defesa do meu organismo frente à sensação de que trios-elétricos invadiam meu quarto, 24h por dia. Se os camaleões, Dalilas e Chicafés tiveram culpa, isso eu nunca poderei afirmar. Mas o fato é que, ao final das festividades, meus ouvidos estavam completamente tapados. Não escutava nada direito, e, como consequência, comecei também a falar bem baixinho, já que os ouvidos tapados transformaram minha cabeça em um verdadeiro amplificador valvulado. Mesmo sussurrando eu sentia estar gritando. Um garçom de um restaurante dirigiu-se a minha prima e perguntou: “Ele tem algum problema de audição?”. Fiquei arrasado.


Fui ao médico, e após 5 dias pingando um remédio, ele conseguiu me fazer escutar novamente. Não uso nem nunca usei cotonetes (como o próprio médico indicou), mas meus ouvidos estavam mesmo entupidos de cera. É nojento sentir aquele jato de água bater no fundo de sua orelha e voltar levando a sujeira. NOJENTO! Em compensação, saí do consultório com audição de super-herói. O médico logo quis me desanimar quanto a isso, mas não lhe dei mais ouvidos. O fato é que escutava até pensamento. Se não, pelo menos as sinapses das outras pessoas ecoavam quando estavam próximas a mim. Dei uns pulos tentando voar, só para confirmar se alguma outra habilidade havia surgido.


***


Acabo de me deitar para um merecido descanso após ficar quase 10 horas sentado e escrevendo. O player toca Space Die-Vest, última música do album Awake, do Dream Theater. Boa pedida para meu ritual de descanso e solidão, no qual os únicos ruídos são o som do mar, o do ventilador, do meu corpo, e claro, o da música. Minha capacidade de concentração e de relaxamento nesse ritual é incrível: após alguns minutos eu sinto música e corpo se fundirem, sem necessariamente me prender a apenas um deles. O som do mar ajuda a embalar, e o do ventilador já não atrapalha na quente Salvador. Nada me tira a concentração nesse momento. Bem, pelo menos não tirava.


De repente começo a ouvir um som diferente. Um chiado, que obedecia a um determinado padrão rítmico, com grandes pausas e ataques agudos e rápidos. Se sua ritmação colaborasse com a paisagem sonora alí criada eu não teria ficado tão incomodado. Acontece que perceber um padrão rítmico que não dialogava com nada alí acabou me intrigando, e também me desconcentrando.


Busquei identificar de onde vinha o som: poderia ser um chiar dos pratos da bateria que eu nunca havia percebido (fico feliz quando percebo algo novo em músicas que escuto há mais tempo); poderia também ser um rato fazendo barulhos dentro do armário (nunca tive problemas com ratos no apartamento, mas com tantos problemas acontecendo não duvidaria que fossem mesmo ratos); como também poderia ser o ventilador, que já apresentou chiados um pouco semelhantes. Concentrei-me nestes ruídos, não descartando totalmente a hipótese de que o barulho pudesse ser uma goteira do chuveiro, por exemplo. Mas não era.


Meu primeiro procedimento foi desligar o ventilador. Me deitei novamente, prestando atenção apenas na música e no mar (mesmo sabendo que o som não viria de lá, o mar faz parte da paisagem sonora, e a permanência de sua voz seria fundamental para diagnosticar a origem daquele ruído). O calor aumentou, e o chiado continuava.


Desliguei então a música. Nada. Só o mar e o chiado. Comecei a perder a paciência. Escutei mais uma vez, e outra, e a aflição já nem me fazia perceber o mar. Aquele ruído passou a crescer em minha mente, chegando a me dar tonturas. Em uma retomada de espacialidade consegui identificar a direção: vinha da janela! Me aproximei, e reparei que entre os vidros da janela entreaberta encontrava-se uma mariposa, linda, presa entre os vidros. Suas asas batiam om uma precisão rítmica de fazer inveja a qualquer baterista. Nunca escutei falar que mariposa chia ou emite algum som. Mas meus ouvidos de super-herói me permitiram escutar suas sinapses, perceber seu pedido de libertação. Com cuidado afastei uma folha de correr da janela, e ela saiu voando, se alojando na luminária do corredor. Me pareceu tão feliz alí que não me incomodei de dividir o apartamento com ela. Por dias ela ficou alí, sumindo durante o dia e retornando pela noite. Mas o chiado parou: mesmo me olhando diariamente com afeto, ela unca mais falou comigo. Até que em uma noite chuvosa ela não retornou. Nunca mais. Abaixo a maior prova da existência da Mari, salva por mim quando era um super-herói:

3 comentários:

  1. será que Mari vai voltar procê, thi?
    de vez em quando eu acho que tenho o poder de prever o futuro...mas nem precisei ir ao otorrino pra isso...!! hehehehehe

    beijo

    ResponderExcluir
  2. Muito divertido esse post. Será que vc consegui escutar via internet? Vou ter cuidado com o que penso qd estiver com vc no MSN rsrsr beijos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. eu respondo anos após mesmo. MSN?^Lembra disso? rs. Ficávamos horas ali e no telefone... Saudadeza

      Excluir

HEADSHOTS pseudo-acadêmicos