domingo, 25 de julho de 2010

Do you like pequi???

Sou fascinado por pequi. Julho ainda nem terminou e eu já me pego a imaginar aquele cheiro adocicado, levemente “passado”, rondando a casa, me importunando no trabalho, impregnado em minhas roupas. E isso antes mesmo de o ver materializado na habitual trajetória de consumo que com o fruto estabeleço: das bandejas transbordantes de venda por litro nas barraquinhas – de rua, de estrada ou do mercado central. E este fascínio começou cedo: se existem arquivos realmente saudáveis e completos em minha memória audiovisual, um dos mais acessados é o de meus pais me ensinando a comer pequi.

“ – Broto Júnior, não morda o pequi! (Com Elis Regina cantando travessia, background sonoro dos almoços de domingo) Você deve apenas passar os dentes sobre ele, devagarinho!”, dizia mamãe. “ – Uma vez eu cravei os dentes no pequi. Minha língua ficou negra de espinhos, e, para cada um que mamãe tirava com a pinça, um puxão de orelha ou palmada eu recebia”, completava Broto Sênior. As orientações não foram em vão, já que, além de me alfabetizarem desde guri na apreciação do pequi, também fizeram aguçar minha fascinação por este fruto literalmente rodeado de mistérios – basta saber interpretá-los. E aproveito o ensejo para fornecer-lhes a minha humilde interpretação.

Falamos de um fruto cuja forma conhecida já é produto de outra, um invólucro semelhante ao abacate.



Isso! Imagine um abacate... Agora, dobre o seu tamanho, e multiplique por quatro sua “semente” gigante. Cada semente dessa equivale a um (01) pequi. Isso já é o suficiente para pensarmos em um fruto cuja extração não é das mais simples... Não é uma manga, que você colhe do pé e com os dentes arranca a casca e vorazmente devora sua suculenta polpa. O pequi não permite isso. Mas ele te CONVIDA a isso. E não por mero acaso...

Após revelado, o fruto apresenta uma textura firme, mas suculenta. Me diga, por favor: qual a reação mais óbvia frente a algo extremamente suculento? Cravar os dentes? Ah, com certeza. Acontece que, se você fizer isso no pequi, sua língua, lábios e céu da boca incharão como uma pálpebra picada por uma legião de muruins africanos. E você, em prantos, descobrirá que caiu numa armadilha digna daquelas que protegem o Santo Graal em Indiana Jones and the Last Crusade. Mas qual o motivo de o pequi ser assim tão malvado? Acontece que sua adoração, na maioria das vezes, descarta ou ignora o maior tesouro desse fruto misterioso: seu interior guarda um tipo de noz, ou castanha, de sabor inigualável, e só os conhecedores de sua existência e habilitados em sua poética de extração são privilegiados em degustar seu exótico sabor.




Logo, o pequi, antes de tudo, é um guardião fiel de um tesouro extremamente cobiçado, e que, por isso, demanda todo o tipo de proteção. Mesmo aquelas dotadas dos maiores requintes de crueldade...

O pequi possui qualidades que, para mim, são próximas às do dendê. Mas com um refinamento extremamente superior, que não deixa de lado a agressividade. Dele consumo o fruto inteiro, em pratos ou mesmo puro – apenas cozido; seu óleo eu utilizo para temperar o feijão, o frango, e até mesmo um risoto mais elaborado, durante os angustiantes meses do ano em que sua produção cessa por completo.

Parêntesis inevitável: De tão bom, e de tão único, o pequi é um dos poquíssimos frutos que, mesmo sendo adorado em algumas regiões do país, ainda, por motivos que desconheço, não fora contemplado por beneficiamentos que o permitam ser produzido e colhido mesmo fora de época. Um pecado.

Por mais que seja adorado em algumas regiões do Nordeste, como no interior do Ceará e nordeste da Bahia, em Salvador seu nome é desconhecido por grande parte da população. Qual a alternativa que eu encontrei para saciar o desejo de consumí-lo em terras soteropolitanas? Levar litros e litros na mala, para então congelá-los e, assim, garantir um estoque razoável por algumas semanas.

As fotos abaixo são de um dos vários almoços que fiz junto aos poucos que lá conheci e que não saem do meu coração. A mãe do Mano é cearense, do Crato, fã de pequi desde criancinha. Tive a difícil tarefa de preparar o fruto para paladares exigentes – o dela, enquanto profunda conhecedora do pequi, e o do filho, não tão conhecedor de pequi, mas um exímio gourmet que, de tão clássico, chega a ser chato. Mas um mestre, com carinho. O paladar do Julim é mais fácil de agradar. O da Jéssica nem tanto, mas ela gostou. Certeza. A receita é básica: frango na cachaça, arroz com pequi e jerimum cozido, acompanhado de muito alho e salsinha. E de sobremesa, claro, queijo canastra com goiabada Zélia.

Bom apetite!



Um comentário:

  1. E deu até vontade de comer aquele arroz com pequi e carne de sol.. bom texto Brotão.

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